A praça estava inquieta naquela manhã de sábado. Balões de
diversas cores, tamanhos e formatos eram ofertados por ambulantes que
aproveitavam o grande número de crianças para faturarem um extra. Próximo ao
coreto, um grupo de adolescentes cantava ao som do violão tocado por um deles.
Divergiam na escolha do repertório e circundavam o instrumentista como se cada
um quisesse fazer valer a sua preferência. Embora teriam definido a canção,
nunca a cantavam integralmente devido a não saberem a letra ou algum componente
errar na execução. Em uma das extremidades, um posto da polícia militar atendia
a pequenas ocorrência e fornecia orientação ao público. Crianças eram conduzidas
em velotróis, bicicletas, sob a supervisão dos pais e ao centro, bem próximo no
corredor dos coqueiros, um terminal fora instalado e receberia hoje as últimas
manifestações da eleição que definiria o nome o gorila, recém chegado na
capital. Além desse batismo, seria inaugurada também a moradia totalmente
reformada e adaptada às necessidades do animal.
Seis chafarizes, distribuídos em a pequena fonte, emitiam
fortes jatos que quase alcançavam a copas das árvores. As crianças
entretinham-se, enquanto esperavam na fila de votação, com apostas em qual jato
alcançaria maior altitude. Torciam, barulhentas, observando o lançamento
ininterrupto das águas e o declínio destas ao ponto de partida, formando
borbulhas e promovendo um frescor aos mais próximo da fonte. Os pais se
entreolhavam, cada qual torcendo ponderadamente por sua prole. Divertiam-se,
meneando cabeça, invejosos das alegrias dos pequenos. Uniformes de coelhinha,
macaquinha e demais personagens da fauna desfilavam em vistosas jovens, as
quais distribuíam brindes e folhetos comerciais aos eleitores. O direito ao
voto estava limitado à idade máxima de quatorze anos, embora alguns adultos
tentassem convencer ao mesário em também opinar, bem como tentavam influenciar
suas crianças em suas escolhas, causando, portanto, pequenos conflitos entre
filhos convictos de suas opiniões No entanto, a maioria que transitava a praça
naquela manhã teria o mesmo objetivo: escolher o nome para o novo hóspede do
zoológico municipal e conhecer a maquete da nova moradia adaptada para o
célebre antropóide.
A este pleito incorporou Cândido, um maltrapilho garoto que
agora ocupava o penúltimo lugar na fila. Era a sua primeira vez como eleitor e,
logo nas primeiras horas do dia, já estava de pé. Passou rapidamente água no
rosto, calçou suas chinelas e foi à padaria do Senhor Zeca, na intenção de
faturar o desjejum para seguir caminho. Acostumado à política do velho
empresário, tomou da vassoura que ficava a um compartimento externo à padaria e
varreu toda a calçada ao redor, colhendo o lixo e depositando-o ao pé do
viaduto da Rua dos Tamóios onde dividia a estadia com três companheiros. À
noitinha, com o tráfego já mais disperso, lançaria as sacolas, que já
anunciavam mau cheiro, ao rio que dividia a avenida, conforme orientação do
dono da padaria. Após a faxina, arranjou entre as calçadas as placas que
anunciavam as ofertas do dia e ajeitou duas mesinhas utilizadas para lanches
rápidos.
- Bom dia, seu Zeca, - apresentou-se ao senhor barrigudo e
sério, vestido de surrado avental, que dava algumas ordens atrás do balcão.
Recebeu o cumprimento em forma de um copo pequeno de café
com leite e um pão aparentemente de véspera. Sorvia e mastigava sofregamente a
oferenda, ou o seu pagamento pela tarefa prestada. Enquanto comia, seus
olhinhos miúdos e vivos procuraram a televisão que dizia as notícias da manhã.
O aparelho fora instalado a um canto próximo ao caixa, e só recebia admiradores
quando exibia os programas de esportes, geralmente ao meio dia, apesar de
permanecer em funcionamento durante todo o expediente do estabelecimento. Um
plantão anunciava já os primeiros movimentos na praça e os preparativos para o
último dia para se definir a identidade do macaco. Uma sinopse sobre a origem
do protagonista foi exibida e logo após um especialista em zootecnia fornecia
rápidas explicações sobre a origem e manias do astro. Cândido mastigava com os
olhos a matéria, atento a qualquer som ou imagem emitida pelo televisor,
enquanto levava o copo mecanicamente à boca aberta, mal sentido o previsível
paladar daquela refeição matinal.
- Vou lá votar!... –Disse entusiasmado, mesmo pra si,
porque o velho dava de ombros sempre que o menino dizia algo. Desta vez,
entretanto, soltou apenas um grunhido, praguejando algo que dava a entender que
o povo não tinha o que fazer, para querer votar em macaco. – Onde já se viu...
lamentava-se, enquanto organizava algumas moedas na gaveta do caixa.
A ansiosa criança depositou o copo embaçado sobre o balcão,
balbuciou um rápido “Deus te aumente, seu Zeca” como agradecimento ao o
velho, o qual respondeu descaradamente um mecânico amém, talvez esquecido da
limpeza realizada pelo garoto. Este dirigiu-se, lépido, ao seu abrigo. Lá
chegando, retirou de uma sacola plástica esfarrapada um retrato. Beijou-o
demoradamente após mirar a desbotada fotografia que exibia quatro sorridentes
rostos: uma mulher e três crianças. Os cabelos
desalinhados, o cenário ao fundo da imagem, as roupas puídas e o sorriso sofrido
denunciavam presumível pobreza do elenco. Seguro firmemente pelas mãos de uma
dessas crianças, um animal de pelúcia, de cor negra, arregalava os olhos para a
máquina fotográfica, roubando a cena.
O tal brinquedo estaria nas mãos de Cândido, herdado como
presente de papai Noel, segundo a história narrada por sua mãe naquela noite de
natal. Moravam em um barraco dentre muitos erguidos no morro, localizado na
zona sul da capital. A mãe se dividia entre duas patroas, servindo a uma nas
tarefas culinárias e outra na limpeza da casa. Na ocasião fizera a promessa aos
filhos que se mantivessem o bom comportamento em casa e que ajudassem nas
tarefas diárias, receberiam uma lembrança quando viesse o Natal, doada pelo
Papai Noel. Embalada pela doce mentira, prometeu que escreveria uma carta,
ainda que não soubesse lidar com as letras, ao natalino velhinho. Relataria o
comportamento de seus três filhos, conseguindo, como recompensa, um presente
para cada um deles.
O planejamento até que foi seguido com sucesso. Os filhos,
entre um briga e outra, assistiam à tevê pelas manhãs e punham em ordem a casa
à tarde. Variavelmente ainda sobrava um tempo para brincadeiras no quintal. A
~mO álcool e a droga foram mais convincentes e a incerteza apoderou-se do
desconfiado pai, o qual não assumiu qualquer vínculo com o recém nascido. A mãe
deu-lhe o nome de Cândido, em homenagem ao avô que possuía o mesmo nome e não
estaria presente para ver aquela candura de olhos vivos, mexendo os braços e
pernas desordenadamente. Um ano se passou e outro namorado apareceu e lhe
trouxe uma filha, abandonando-as, a pequena ainda lactente. O terceiro veio com
promessas mais concretas, embora não as cumprissem. Trouxe também consigo os
vícios com álcool e drogas. Um ano depois, outro rebento, compondo a família
que posava naquela fotografia. Maria então trabalhava dia e noite para
sustentar os três filhos com idade de dez, sete e seis anos respectivamente,
além de um amasiado ocioso.
Todos essas mazelas não foram, portanto, suficientes para
fazê-la desistir de seu intento. Namorou por um ano um gorila de pelúcia que
jazia em um dos em quartos que fazia a limpeza. O brinquedo já fora lançado a
todos os cantos possíveis da casa, inclusive, em partidas de futebol realizadas
pelo seu proprietário, na posição sofrida de goleiro, recebendo violentos
chutes da criança. Era violentamente lançado contra a parede do quarto e ás
vezes da garagem onde também ocorriam as partidas. A pelúcia antes reluzente
como a graúna, já aparecia desbotada para um presente natalino. Persistente,
Maria colocou o pequeno macaco no cesto de roupas para lavar, para depois fazer
o pedido à patroa. Foi-lhe dado a encomenda e algumas roupas usadas.
Regozijava-se: estava feita a compra para o Natal! Ajustou o boneco e arrumou
as peças de roupas. O macaco foi para o mais velho, o Cândido. O demais
donativos foram para os menores. Na véspera, orientados pela mãe, cada um
pendurou na janela, amarrando à grade sem vidros do único quarto, um par de
meias. Cândido temeu que o Papai Noel censurasse o tecido puído e úmido que era
sua meia presa à grade. A algazarra veio ao despertar, quanto perceberam que
havia um embrulho próximo a cada um. Houve confusão ao identificar os nomes mal
inscritos nos amassados embrulhos e mãe teve que intervir, fingindo surpresa.
Aberto os presentes, olhares curiosos foram lançados entre eles, comparando
qual o melhor. Cândido causou inveja aos demais, pulando incontrolável com o
seu inerte gorila, apertando sua pelúcia gasta, provocando profundos sulcos na
barriga e deixando-o de olhos arregalados. Uma vizinha foi chamada para bater a
foto. A mãe conteve uma dura lágrima, liberta por seu sólido e precavido
coração.
À noite, cada qual vestiu sua roupa renovada e o
proprietário do macaco não se cansava de interagir com ele, embora mais
carinhoso que o seu anterior dono. Conversava com o inanimado animal,
prometendo cuidados, abraçando e beijando-o. O marido veio, já com vestígios de
festas e bebidas de outros natais. Um aroma vindo da pequena cozinha,
denunciava o frango assado e maionese ordinariamente expostos sobre o fogão. Em
oração, as crianças e a mãe em sintonia com a palavra sagrada, diziam a reza,
respeitosos. O namorado balbuciava monossílabos embriagados. Agradeceram,
todos, por aquela santa ceia.
Além dos três irmãos que dividiam os dois colchonetes
estendidos ao chão, um brinquedo se aninhava aos braços do mais velho, o qual
fazia as orações antes de dormir e fixava seus olhinhos nos olhos do novo
amigo, talvez na intenção de receber resposta à sua prece. Prometia ao
brinquedo que nunca o deixaria, por nada nesse mundo. Seriam unidos, todos eles
que ali dormiam, por todas as suas vidas. Uma família.
As águas de janeiro vieram, impiedosas, lavando as
promessas de Cândido. Uma noite, após três dias de chuva ininterrupta, a casa
do vizinho logo acima da sua desmoronou, arrastando, como a um dominó, os três
barracos construídos abaixo dela. Maria, preocupada com a chuva, ainda não
teria pregado os olhos quando uma peça de madeira atingiu-lhe a cabeça,
deixando-a desacordada. Sobreviveu até algumas horas antes de chegar ao
hospital com o seu filho mais velho, ambos socorridos pelos bombeiros. Assim
que o Cândido foi encaminhado aos serviços médicos de urgência, o coração
materno deixou de bater. Foram enterrados os corpos da mãe e dos dois filhos
menores e o namorado, desconsolado, assistira a tudo, cedendo entrevistas aos
famintos microfones e câmeras. Seu vocabulário rudimentar fora exposto nos
veículos de comunicação tanto nacionais como internacionais. A desgraça da
família rendeu discussões em diversos veículos e organizações não
governamentais. Não revelou o entrevistado, entretanto, que estaria em
jogatinas e bebedeiras, drogas e similares no dia do desastre, tendo, como de
costume, pernoitado fora do lar. Fotos dos destroços foram exibidas e leitores
atentos poderiam visualizar, uma pelúcia, enlameada e de olhos esbugalhados, em
meio aos detritos.
O menino acordou assustado com os vultos brancos, cheiro de
álcool e óculos próximos de si. Gritou, chorou até ser acalmado por uma
enfermeira. Após exames, foi encaminhado a uma assistente social e uma multidão
já se aglomerava nos arredores do hospital. Profissionais vaidosos posavam para
fotos e davam até entrevistas, enaltecendo o trabalho do serviços de saúde
pública, seguidos por políticos que deixavam-se fotografar, exibindo-se,
solícitos ao destino de Cândido.
O garoto deixou o hospital ainda com ferimentos, sendo
conduzido pelo padrasto, que também exibia os dentes falhados aos disparos de
flashes irradiados de todas as direções. Seguranças do hospital afastavam
microfones içados ao menino, sequiosos de alguma fala do pequeno.
Duas semanas se passaram e a cabeça de Cândido ainda doía.
Vizinhos freqüentavam a casa onde estavam alojados, orgulhosos do sobrevivente
que se transformara em astro. Algumas emissoras seduziram seu padrasto e o
menino concedera, a contragosto, entrevistas. Houve protestos por parte de
entidades de proteção ao menor e a família de Cândido, agora reduzida a ele e o
padrasto, fora indenizada e removida para um conjunto habitacional. A criança,
portanto, sentia medo de dormir. Tomara verdadeiro pavor ao sono. Tentava rezar
e engasgava-se nas palavras. Conseguia apenas perguntar pra si mesmo, porque
que só ele acordara daquela noite. Onde estaria agora sua mãe, seus irmãos e
seu amigo, o macaco. Sentia-se covarde por não poder protegê-lo, como
prometido. Não conseguia, portanto, chorar.
A foto tirada no natal só foi revelada após a tragédia, com
o advento da indenização e o porta retratos ficava na sala, acima da televisão,
como única herança daquela família. Todos os holofotes já silenciaram e agora o
menino era apenas um órfão a mais nas estatísticas. O numerário ofertado pelo
governo fora dizimado em vícios já conhecidos do padrasto, em pouco menos de um
semestre. Envolto em dívidas contraídas com o consumo de drogas, o responsável
pela criança fora obrigado a deixar às pressas o barraco onde residia, levando
consigo o garoto. Esse, precavido, tratou de confiscar a foto, dobrando-a
cuidadosamente e alojando-a em um plástico. Escondeu-a dentro da cueca.
Durante o dia, trabalho. Tentava limpar os vidros de
veículos vedados pelos semáforos, recebendo pragas de alguns motoristas e até
safanões. À noite engraxava sapatos nos bares da cidade. Certa feita, um
cliente cuspiu-lhe na cabeça enquanto lustrava-lhe sapato. Um outro fez um
gesto obsceno, passando a mão entre o feixe da calça. Disse que o garoto era
bonito. Cândido a nada respondia. Terminava o serviço, estendia as mãos e
proferia um Deus que te
aumente, retirando-se humilde. Fora alertado pelos colegas quanto a esses
tipos noturnos. Uns inclusive narravam fatos assustadores, entre risadas e
piadinhas. Parte do dinheiro recebido iria para o padrasto, que se definhava a
olhos vistos. Guardava o outro em um esconderijo próximo, idealizando a compra
de sua casinha. Alguém que freqüentava a boca de fumo informou que o padrasto
havia sido encontrado morto em uma vala. Já outros diziam que fugiu novamente,
devido à problemas na atividade,
como consideravam o envolvimento com drogas.
O garoto, em sua vivência com entorpecentes, experimentou
apenas o paninho umedecido com solventes, o qual abandonou, desinteressado. Não
se prendia à vícios. Como não mais freqüentou escolas, procurava ler os jornais
com os quais se cobria, embora não entendesse o contexto, lia as placas,
anúncios e apreciava a companhia de adultos, onde sentia que aprendia palavras
mais difíceis. A rua era sua madastra, embora mantivesse a esperança de que reencontraria
sua família.
A fila já avançara e o calor ainda era intenso. Cândido
ausentou-se para se lavar na bica e tomar daquela água fresca. Um policial
aproximou-se dele, apreensivo. Voltou o rosto molhado para o soldado,
cravando-lhe o olhos vivos e ouviu uma voz lá na vila:
-Ele vai votar também. Tá aqui na fila. Na minha frente...
O agente concordou, meneando respeitosamente a cabeça e
continuou sua ronda, enquanto o garoto voltava para seu lugar na fila, sorrindo
para a senhora que intercedera em seu favor, a qual também sorria. Algumas
crianças observavam, intrigadas. Comparavam suas roupas àqueles farrapos que o
menino vestia. Uma e outra mãe segurava o braços de seu filho, não deixando de
acompanhar, melindrosas, os passos do solitário eleitor. A coelhinha veio
distribuir brindes, acalorada e saltitante. Uma pequena multidão, agitada, se
formou junto à ela. À todos deu um sorriso e um afago, com exceção de Cândido,
do qual a sensual leporídea manteve considerável distância, talvez temendo
manchar sua alva fantasia de pelúcia.
Estavam próximos ao painel que exibia a casa do gorila,
onde slides eram transmitidos e alguém apresentava características da moradia.
Após a reforma, tornara totalmente adaptada ao hóspede, e teria até uma
cachoeira artificial. Cândido se controla para não pular de alegria, embora o
coração o traísse, assim que visualizou a cachoeira que implantaram e o tamanho
da reserva exibida pelo telão, tudo isso pertencia a seu amigo! E, quando deu
conta de si, estava defronte ao monitor que exibia a imagem do macaco, negro e
peludo, olhos grandes, pouco esbugalhados. O coração do menino disparou
incontrolável, seus olhinhos cintilaram...”Como ele cresceu!” - Foi o
que pensou.
Na seqüência, foi exibida a dieta do pop-star. Laranjas,
maçãs, bananas e demais frutas eram servidas em horário rigorosamente
estabelecidos. O posto médico para atendimento de urgência e acompanhamentos da
saúde, nutrição, higiene. Sancionou a impressão segura a respeito da qualidade
de vida do companheiro. Não passava fome. Sua barriga roncou, reclamando
alimento, mas a alegria envolvia-a, saciando.
Finalmente era a sua vez. As pernas tremiam quando se viu
frente ao terminal. A foto do animal estampada. Três opções de nome estavam
exibidas e ele sorriu para tela. Sentia-se como se todas as luzes do mundo
estivessem voltadas para si! A assistente fez menção de ajudá-lo, recebendo a
recusa, de imediato Apertou o botão do meio onde o nome foi exibido: DADÁ.
Pronto! Estava escolhido. Esfregou as mãos, satisfeito. Visualizou todas
aqueças pessoas o aplaudindo, ovacionando. Vivas, urras, e fotos, muitas fotos,
mais do que aquelas do hospital, registrando aquele evento do primeiro voto.
Deixou orgulhoso o terminal, como um cidadão, afinal escolheu um nome para o
seu amigão! Agora, se sentia realizado. Ele tinha casa, e nova! Tinha um nome!
Retornou feliz ao seu alojamento, atento às lixeiras
instaladas nas portas de lanchonetes, na esperança de faturar resto de lanche
porventura abandonado por alguém já enfarado. Não teve êxito dessa vez. Já no
seu lar, ajustou os papelões e esticou os gravetos, na tentativa de descansar,
estava potencialmente emocionado. Objetivou conciliar o sono, na tentativa de
tapear a fome que já o incomodava. Relâmpagos cruzavam o ar e o céu tornava-se
espesso. “Vai chover”, - pensou, procurando um canto em que molharia
menos, caso suas previsões se confirmassem
“Daqui a pouco o povo chega com o barulho. Aí já
era... Estou feliz! Agora
meu amigo com casa, poderia buscar sua mãe e irmãos, onde estivessem, para
morarem todos juntos dele, naquele paraíso. Seu amigo aceitaria, é lógico”.
Uma ponta de saudade apossou-se dele, ao lembrar-se da mãe e dos irmãos. “De
certa forma, minha mãe que trouxe meu amigo. Ela disse que foi o Papai Noel,
hoje sei que não foi, ele não existe... agora, meu amigo é famoso... Queria
contar isso à minha mãe! Como ela faz falta!
Os seus olhos miúdos lacrimejavam, lastimosos,
embalados às lembranças. Sentia-se só. Não chorou, todavia.
“Homem não chora”-concluiu.